O BORNAL, O OFICIAL E O VOO 3076
Já tive a oportunidade de ler muitos relatos de aprovados nesse concurso para Juiz do Trabalho. Confesso que sempre tirei preciosos conselhos a partir das mais variadas experiências de estudo. Mas se há algo de comum entre elas com certeza são as muitas horas, dias, meses e anos de estudos somados à fé e à perseverança.
As dicas foram muitas: a bibliografia, o método de estudo, a preparação específica para as diversas fases, entre outras. A minha experiência foi de mais 5 anos. Neste período, o estudo ficou um tanto comprometido quando, ainda no início, assumi o cargo de assessor de gabinete, pois em razão da demanda exigida pelo cargo, as horas de estudo eram escassas.
Porém, apesar das valiosas dicas dos aprovados, tive que criar o meu próprio método, que batizei de “método do caderno”, do qual poderei falar em outra oportunidade. No entanto, o meu relato não será do que passei nestes anos de preparação ou do que fiz para atingir a meta da aprovação. As dores, sofrimentos, derrotas e angústias são comuns, ainda que com maior ou menor intensidade em um ou outro caso.
Senti a necessidade de escrever sobre a minha vida. O maior desafio nunca esteve em buscar entender o que o examinador queria, na dificuldade de superar a prova discursiva, de ler inúmeros artigos, livros e decisões dos tribunais e estudos de banca. O maior desafio não estava na superação após ligar para a comissão examinadora ou após o “F5” no correioweb ver que, mais uma vez, não fui aprovado. A maior luta nasceu comigo…
Não quero, como minhas palavras, abrir qualquer debate de classes. Muito pelo contrário, nessa longa jornada conheci amigos que têm sua origem em classe socialmente mais privilegiada e nem por isso tiveram facilidade para conquistar o sonho da magistratura. Mas, falarei do que vivi.
Nasci em uma família muito pobre. Poucos, e nos últimos anos, formados em cursos superiores. Sou o único formado em Direito. Os meus primeiros 10 anos residi em um barraco de tábuas azuis. O banheiro era uma fossa externa, sem vaso. O quintal de terra batida era o nosso playground. É nesse quadro que surge a primeira figura do nosso título, o “BORNAL”. Pra quem não conhece, o bornal é uma espécie de sacola/bolsa, feita de pano, utilizada para carregar coisas.
Minha mãe, sempre muito atenciosa, costurou nossos bornais para o primeiro contato com a escola. Era dentro dessas bolsas que iam meus primeiros cadernos: os brochurões. Chinelos de dedo, alguns com pedaço de arame para amarrar a tira que havia rompido. Íamos assim para a escola, levando o caderno, um legume (batata, tomate ou qualquer outro) para entregarmos à cozinheira da escola, pois assim teríamos o que comer na hora do recreio, e o sorriso. Aprendi o que era humildade e solidariedade.
A vida passou! Ainda morando na periferia de Vitória/ES, em um bairro bem pobre, consegui terminar meu ensino médio, à época na Escola Técnica, hoje Instituto Federal. Nesse momento já participava da igreja e tive meus primeiros contatos com a necessidade do outro. Aprendi a ter compaixão e desejo de mudança.
Inverti uma década da minha vida. Casei e tive filhos. Dos 20 aos 30 anos não estudei. Entreguei-me ao trabalho na igreja e à família. Nenhum arrependimento. Minha família é a maior experiência que tive com Deus. Mas, como havia optado pelo Direito, tive que esperar, pois a Universidade Federal somente tiinha ou tem o respectivo curso no horário matutino. Como tive que trabalhar desde novo (aos 16 anos), não poderia estudar naquele horário. Mas a oportunidade surgiu aos 30 anos, quando então o trabalho me permitiu ingressar em uma faculdade particular. A inscrição no processo seletivo era uma cesta básica e eu tinha uma na Kombi, pois trabalhava vendendo… cestas básicas…rss
Aos 32 anos, ainda morando na periferia, experimentei a primeira e a grande vitória no mundo do concurso. Passei para Técnico Judiciário no TRT17. Um ano depois tomei posse. Incrível! Nunca tinha entrado em um Tribunal. Aí meus amigos, as coisas mudaram…rsss. Antes trabalhava de segunda a sábado. Agora trabalhava de segunda a sexta, sete horas, e o melhor, tinha uma renda maior.
Neste contexto, surge a segunda figura do nosso título, o “OFICIAL”. Em 2007 comecei a viajar por esse Brasil. Aliás, minha primeira viagem de avião foi para realizar concurso. Passei para Oficial de Justiça, depois de cinco reprovações.
Nossa! Já achei tudo isso incrível. E Incrível não só pra mim. Nem mesmo os familiares acreditavam na façanha. Um filho de dona de casa e mestre de obras passando em um concurso desse porte? Sem sobrenome? No Brasil? Mas, foi como Oficial de Justiça do TRT17 que a renda aumentou e permitiu a realização de cursos, compra de livros e inúmeras viagens para realizar as provas da magistratura.
E assim foi até agora. Depois de cinco anos de muita luta, muitas dúvidas, muitas lágrimas e sofrimento, veio a tão sonhada aprovação para a Magistratura do Trabalho. Meu Deus! Fui recebido no aeroporto de Vitória pelos familiares, alguns tios que há muito não via. Não tinha a dimensão do que havia feito. Meus familiares, um por um, olhando em meus olhos, cheios de lágrimas, dizendo que era um orgulho para a família. Ufa!
Gente! Não foram as notas da prova oral, com a aprovação, que me fizeram desabar em lágrimas no auditório do TRT16 no dia 25 de maio de 2016. Foi o filme de uma vida. Uma vida que bateu o quanto podia. Uma vida que nunca disse um sim sem luta. Uma vida que olhava constantemente em meus olhos para dizer-me que não conseguiria, que não era pra mim, que lugar de menino pobre não era ali.
Certamente a vida continuará a bater, mas seja nas lutas passadas ou naquelas que estão por vir, nunca duvidei da mão poderosa de Deus, do seu agir, da sua proteção. O esforço é meu, mas a vitória vem do Senhor.
Não poderia terminar sem agradecer a todos os professores (em especial, aqueles vinculados ao curso Preparo Jurídico, cuja excelência no ensino foi de fundamental importância. Obrigado Roberto e Roberta!!!!). Agradeço, igualmente, aos amigos (muitos nos grupos de whatsapp, como o AJT, Preparação Magistratura do Trabalho, entre outros), alguns, verdadeiros irmãos e irmãs que o concurso me concedeu (não citarei nomes para não cair na armadilha do esquecimento) e, também, de forma especial, minha esposa, meus filhos e meus pais que tiveram a paciência e a crença de esperar… Amo todos vocês!!!
Acham que esqueci?rss A terceira figura do título “O VOO 3076” refere-se ao melhor vôo que fiz na vida. É o vôo da volta depois da aprovação. Não tenham dúvidas, será o melhor vôo de suas vidas também. Basta acreditar, pois como cantado pelo Padre Fábio de Melo:
Vou perseguir tudo aquilo que Deus já escolheu pra mim
Vou persistir, e mesmo nas marcas daquela dor
Do que ficou, vou me lembrar
E realizar o sonho mais lindo que Deus sonhou
Em meu lugar estar à espera de um novo que vai chegar
Vou persistir, continuar a esperar e crer …
Eu vou sofrendo, mas seguindo enquanto tantos não entendem
Vou cantando minha história, profetizando
Que eu posso, tudo posso… em Jesus
Eu vivi o extraordinário. Um grande abraço!!!